A proposta de se escolher uma história adequada a cada faixa etária é uma sugestão baseada no estudo do desenvolvimento infantil. Logicamente, a forma de como escolher as histórias será, para cada contador e educador, um exercício em que deverá adaptar e criar argumentos e formas de acordo com suas vivências e experiências profissionais e pessoais.

Conhecendo nossos ouvintes
Naturalmente existem diferenças significativas na forma em que contamos histórias para crianças em situações, faixas etárias e objetivos distintos. As crianças da faixa etária entre cinco e seis anos terão uma percepção e atenção diferentes de uma determinada história com relação a faixa etária de crianças entre nove e onze. Assim, torna-se imprescindível conhecer nosso público e escolher a história adequada de acordo com a idade, local, objetivos e até mesmo épocas do ano e horários…
Para termos um exemplo clássico dessa preocupação, quem entre os pais, na hora de dormir, conscientemente, contaria uma história de monstros e assombração, de caveiras e terremotos para crianças de cinco anos, ou menos? É lógico pensar que histórias assim teriam uma influência negativa no sono dos pequenos, que teriam pesadelos, ou resistiriam a dormir, ou migrariam para o quarto dos pais.
Se pensarmos mais um pouco sobre isso, descobriremos que outros fatores também irão influenciar as atitudes, ações e sentimentos das nossas crianças… Os telejornais, por exemplo, em que assistimos os mais variados assuntos, sem percebermos que as crianças estão a ouvir também. Notícias em que a maldade humana é mostrada e narrada sem pudores pelos jornalistas a qualquer hora do dia, ou que, sem darmos conta disso, à noite, partilhamos esses fatos tristes em nossas conversas e discussões à mesa, durante o jantar. É claro que os fatos do dia a dia são mais do que histórias, são realidades que elas deverão aprender a conviver e superar, e não podemos esconder tais fatos delas, com o risco de aliená-las da sociedade. Porém, cada coisa deve ser apresentada a elas com cuidado, atenção e com acompanhamento.
Incrivelmente, até mesmo vários dos desenhos animados que assumimos como “babás temporárias” dos nossos filhos e alunos são, em certos aspectos, más influências ao seu comportamento. Aprendem, muitas vezes, a xingamentos, vinganças, artimanhas para maltratar outros. Dou um exemplo direto: em vários dos capítulos do “Pica-pau”, ele mesmo utiliza-se de armas, sempre acrescenta ao nome próprio dos personagens um adjetivo pejorativo, como “seu idiota”, “seu bobalhão”, que são “escadas” para outros adjetivos cada vez mais providos de maldade. Mas tem uma moral que podemos explorar, dependendo, logicamente, da faixa etária, haja vista que as crianças muito pequenas ainda não tem a moral desenvolvida, mas vivem no sentir e no espelhamento. Vão copiar tudo o que vêm com prazer.

Também somos, muitas vezes, incentivadores de atitudes impróprias, quando damos risadas, ou incentivamos atitudes como, por exemplo, coreografias e gestos adultos, principalmente aqueles em músicas de segundas intenções. Ora, podemos falar, é apenas uma “brincadeira”, mas na verdade, agir é adquirir comportamentos. Estes se tornarão hábitos, estes hábitos são portas abertas aos vícios, e o reforço das “intenções” escondidas nessa brincadeira, até então, sem consequências.
Vemos o quanto é difícil o controle sobre a informação e conteúdo que estão sujeitas nossas crianças, pois nem sempre estamos presentes para supervisionar. Quero, antes de tudo, apenas alertar que “tudo” o que elas ouvem e veem influenciarão no seu desenvolvimento cognitivo. Cuidar para que as mensagens cheguem no tempo certo, ajuda-las-ão a encontrar um equilíbrio comportamental e a aproveitar cada fase de crescimento e desenvolvimento infantil. Teremos contribuído para a formação de adultos mais centrados, emocionalmente fortes e equilibrados, seguros e espiritualizados.
Se buscarmos em nossas memórias, ou na memória dos nossos avós, como as gerações entre as décadas de 30 e 80 brincavam e se divertiam, teremos a sensação que as crianças de hoje são menos crianças, ou se comportam quase que como um adulto em miniatura. Ora, o excesso de informação, tecnologia, nosso “afastamento” e outros adventos do mundo contemporâneo concorrem para que elas percam sua ingenuidade. Sim, estamos numa outra época e a adaptação é essencial para o sucesso da vida das nossas crianças. Mas precisamos dar bons estímulos desde o início, bons hábitos, bons exemplos, bom uso das tecnologias e informações disponíveis em todos os meios. Devemos ajudá-las a discernir o que é construtivo e o que não tem valor algum, seja cultural, social, ou intelectualmente. E isso só é possível quando apostamos em conhecimento, não só no entretenimento purista, quando nos dedicamos a compreender, e não só em saber, quando buscamos sentir, e não apenas a ter sensações.
Pensando dessa forma, e sendo um caminho válido, entre alternativas que possam trazer crescimento e virtudes ás nossas crianças, chega a hora de escolhermos o que iremos apresentar a elas em cada fase do seu desenvolvimento. O que elas, fisiológica, metabólica e de forma piscossensorial e intelecto-emocional estão preparadas para receber e para transformar em conhecimento e vivência.
Não é nada fácil, sei, pois que chegamos demasiadamente tarde nesse processo, é a sensação que temos como educadores e artistas formadores. No entanto, o reconhecimento do que são benéfico e agradável aos ouvidos e espírito, certamente, com empenho, rotina e afeto irão, com toda a certeza, iluminando-se nos olhos e sorriso dos pequenos dia a dia.
Veremos uma transformação clara e inconfundível na alegria sincera e ingênua, e uma confiança singular, infinita e amorosa, pouco a pouco se fortalecer entre você, contador de histórias, e suas crianças. Intempéries haverá. Mas a fé na bondade e no grupo serão maiores e logo abrandará qualquer inquietude entre os pequenos ouvintes e o narrador.
O Artigo acima faz parte integral do “Curso de Contação de Histórias” da Cia ArtePalco. Não pode ser reproduzido, copiado, ou utilizado sem prévia autorização.
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