Bem antes de a humanidade possuir a escrita como hoje conhecemos, suas memórias e histórias sociais eram passadas de geração a geração pela oralidade, através de narradores dou mesmo em rituais, que lembram as dramatizações atuais de muitos povos.

Essencialmente, um narrador de histórias é aquele que detém, cultural, ou socialmente, parte da história vivida pelo grupo social, ou famílias de uma certa região. Pode também se apoderar de tais histórias, repassando-as de forma oral, principalmente, para novas gerações, ou outros grupos de indivíduos estranhos aquele grupo.
Assim sendo, num primeiro momento, o contador de histórias herda seu repertório, que é vivo e em constante transformação. Sua habilidade não é aprendida, mas inata, intuitiva e livres de técnicas e conceitos. Ele conta, pois faz parte das histórias, vivenciou-as, contribuiu com elas, ou foi ouvinte próximo das mesmas, através dos seus amigos, parentes e personagens típicos da sua região…
Já num segundo momento, artistas populares se apoderam das histórias, utilizando-se de técnicas e instrumentos para contar as mesmas histórias. Surgem os contadores de histórias contemporâneos e profissionais, que dramatizam, ensaiam, usam teatro de fantoches, musicas figurinos e adereços para dar maior dramaticidade às histórias que contam. Nesse sentido, são contadores de histórias ainda, mas mesclam outras técnicas, sendo, muitas vezes, antes disso, atores, cantores, artistas circenses…
Ambos contribuem para a difusão da cultura e memória da sua comunidade e pisam na estreita linha que separa a arte tradicional e a arte popular.
Os Narradores de Histórias
O contador de história popular conta sem se preocupar onde, nem a quem, sem classificações etárias (toma apenas cuidado, muitas vezes, com o “linguajar”). Aproveita-se de momentos do cotidiano, ou de eventos e notícias para iniciar sua oralidade. Muitos são extrovertidos, utilizando-se livremente da pantomima, dramatização instrumentos musicais. Já outros, preferem contar de forma mais realista do ponto de vista de um “observador”, sem muitos “trejeitos”, um verdadeiro “narrador” daquela história. E ambos fazem muito sucesso dependendo da plateia e da situação que desencadeia a contação de histórias.
Já o contador de histórias contemporâneo, ou profissional, estuda a história que vai contar, para que plateia, que recursos vai utilizar, em que situação e qual objetivo. O resultado é bem diferente, pois temos a sensação de assistirmos a um “espetáculo”, ou “performance”. Em alguns casos, este contador quer “informar”, ou “ensinar” alguma coisa a partir de uma história, principalmente quando o público alvo são crianças em período escolar, sendo um apoio didático do ensino tradicional. Como exemplo, contam histórias sobre boa higiene, alimentação saudável, prevenção de acidentes.

Em todos os casos, os ouvintes se entretêm com os contadores por um tempo, esquecendo-se das demais tarefas do dia a dia, promovendo um relaxamento coletivo, descontração e entretenimento.
Sabe-se que este estado suscitado é extremamente benéfico e produz uma higienização emocional e psicológica em quem ouve e assiste. Assim, aumentando o interesse pelo assunto abordado e estimulando novos contatos com este tipo de atividade. Isto aumenta o vocabulário, a integração social e a verbalização de situações e problemas cotidianos e socioculturais.
Também é a forma mais antiga de se perpetuar ideias e acontecimentos que não se registram em livros, ou outras formas de registros, tais como: personagens típicos do bairro; fatos particulares que acontecem em festas, ou locais públicos (igrejas, delegacias, parques). Estas histórias só permanecem registradas na memória de quem as vivenciou e, após sua “contação” ela ganha outros elementos na imaginação de quem ouve, e passa a ser recontada com novas palavras, criando as lendas locais e urbanas.
A Personificação do Sagrado
Originalmente, o contador de história poderia advir dos antigos xamãs, curandeiros, ou mestres espirituais das sociedades e povos da pré-escrita. Eram neles que a comunidade depositava a confiança sobre as explicações de fenômenos naturais, resoluções de problemas, curas, conselhos.
Estes, por sua vez, dotados de um conhecimento mais intuitivo e emocional, exploravam a crença dos seus, criando histórias, ritos e explicações fantásticas. Dessa forma, podiam “controlar” e manter uma certa ordem comunitária.
Com a descoberta e controle do fogo, os indivíduos da pré-história ganharam mais tempo de vigília, pois a claridade das chamas proporcionou mais tempo livre e ocioso, o que não tinham até então. Isso possivelmente estimulou o desenvolvimento de muitas formas de comunicação, desde a oral até a gráfica.
E era se expressando sonora e fisicamente que passavam acontecimentos do dia aos demais. Contar algo, física, ou sonoramente para outrem que não estava lá é “contar uma história”.
Entendem os historiadores que a arte dramática (dança e teatro), plástica e muitos rituais religiosos têm sua origem remota nesse momento. Mas como os urdimentos dramáticos, nem os recursos teatrais existiam, na verdade, eles atuavam como verdadeiros contadores da sua própria história.
Somos parte dessa antroposofia construída na raiz do genes da nossa espécie. Muitos dos nossos medos, necessidades, projeções, fraquezas e demais sentidos, sensações e sentimentos advém de milhares de anos de superação, desenvolvimento e aperfeiçoamento.
Em nosso DNA trazemos parte da história da humanidade e subconscientemente reagimos de forma preestabelecida por nossa fisiologia e predisposição genética.

Somos parte de uma grande história coletiva
A história vem como um gatilho transformador e de rompimento, emprestando energia suficiente para a libertação das nossas ações e pensamentos. Ao ouvirmos histórias reconhecemos a parte da história que nos prende a determinado caminho, ou destino, dando-nos a possibilidade de uma escolha melhor, diferente, ou mesmo fortalecendo nossas escolhas.
Essa percepção nem sempre é consciente, mas surge da sublimação e da catarse a reação pós-história. Promove uma verdadeira desintoxicação emocional e alívio mental.
Sem dúvida, ouvir e contar histórias são um o ato que rompe a barreira do tempo e do espaço, imortalizando personagens e acontecimentos no imaginário coletivo, seja de um grupo comunitário, ou de uma sociedade inteira. Contar histórias é amar seu semelhante, e ouvi-las é escutar uma oração, um chamado para o entendimento e a transformação…
O Artigo acima faz parte integral do “Curso de Contação de Histórias” da Cia ArtePalco. Não pode ser reproduzido, copiado, ou utilizado sem prévia autorização.
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