Meu Guia de Contação de História para Crianças

EU CONTO, E A HISTÓRIA ME RECONTA

(Palavras de um contador de histórias com alma de brinquedo e coração de infância)

Por mais de trinta anos eu conto histórias. E não conto qualquer história: conto aquelas que nascem do povo, da mata, da beira do rio, do riso das crianças, da lembrança dos avós. Histórias que invento, reinvento, ouço no vento e bordo com cuidado no tecido da palavra viva. E conto com as mãos, com os olhos, com a voz… e com fantoches. Mas não como teatro de fantoches tradicional. Meus bonecos são cúmplices, não atores fixos. Eles aparecem, somem, dialogam, brincam. São pedaços de pano com alma, brinquedos que pensam, sentem e ajudam a contar.

Se você me pergunta o que é essa arte, eu te respondo assim:

 

O QUE É A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS (versão do Binho – Eu)

  • É escutar o tempo com os olhos da criança e a memória dos mais velhos.
  • É tecer palavras como se fossem redes de pescar sonhos.
  • É usar o boneco como extensão da emoção, e não como espetáculo de palco.
  • É narrar com o corpo inteiro, mesmo quando só a mão se move.
  • É recontar o Brasil invisível, aquele dos causos, dos saberes orais, dos bichos falantes e das árvores que têm voz.

 

COMO EU FAÇO (E COMO VOCÊ PODE FAZER TAMBÉM)

  1. Escolho uma história que pulsa. Pode vir da tradição oral, de um provérbio, de um personagem do folclore, ou de uma lembrança da infância. Às vezes, uma história inventada entre o café e o pulinho na feira.
  2. Dou à história um jeito novo de andar. Recrio personagens, invento desfechos, cruzo tempos, misturo fantasia com denúncia, humor com encantamento.
  3. Construo os fantoches com o que tenho. Papelão, retalho, meia furada, colher de pau. Não é o material que dá vida: é a escuta.
  4. Faço ensaio? Faço ensaio. Mas também nasço no improviso, porque o boneco tem vontade própria, e a criança também.
  5. Conto de perto, olho no olho. Não é espetáculo de plateia. É roda, encontro, partilha.
  6. Incluo a criança na narrativa. Pergunto, escuto, deixo que ela “entre” na história, seja com palavras ou mexendo um boneco junto comigo.

 

COMO ESSA ARTE TRANSFORMA A INFÂNCIA E PRESERVA A CULTURA

  • Desperta a imaginação e a empatia. A criança se vê no boneco, no herói desajeitado, na criatura da floresta, no avô que virou pássaro.
  • Reforça a escuta ativa e o diálogo. Contar é também saber parar e ouvir — e nisso a criança cresce inteira.
  • Aproxima a criança de suas raízes. Ao ouvir um conto do Curupira ou uma versão reinventada da Iara, ela compreende que tem um lugar no mundo que é só dela.
  • Resgata a oralidade como bem imaterial. Cada história contada é um tijolo na construção da memória coletiva.
  • Ajuda a criança a elaborar emoções complexas. Medo, alegria, perda, coragem — tudo cabe na fantasia de um conto bem contado.
  • É uma pedagogia da alegria e do pertencimento. A escola vira terreiro, a casa vira palco, a infância vira centro.

 

E POR FIM, UMA DICA DE UM VELHO CONTADOR:

Se você quiser entrar nesse caminho, não comece com o boneco, nem com a história, nem com a técnica. Comece com o coração. Escute o que a criança não diz com palavras, o que o avô esqueceu de contar, o que o tempo insiste em soprar nas varandas da memória.

Eu conto histórias há décadas… mas, no fundo, é a história que me conta. Me conta quem eu sou, de onde vim, e por que continuo aqui — com uma sacola de bonecos, uma mala de palavras, e um mundo inteiro para viver várias vezes os inúmeros personagens de cada história.

 

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